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TONI SCIARRETTA
Os bancos brasileiros têm em conjunto um estoque de pelo menos 100 mil carros recuperados de clientes inadimplentes, o equivalente à metade das vendas mensais de veículos novos no país, para desovar no mercado de autos usados. Esse estoque é mais um motivo de pressão no segmento de usados, que vive queda sem precedente nos preços e cuja falta de liquidez trava as ações para retomar a venda de carros novos.
Os principais bancos que financiam veículos relatam que o volume de recuperação cresceu de 20% a 30% no início do ano em relação ao que acontecia até setembro. Já leiloeiros e empresas terceirizadas de recuperação veem alta de até 50% no número de veículos que costumava chegar aos pátios.
Segundo o Banco Central, o sistema financeiro tinha uma inadimplência média de 4,3% em dezembro, o maior nível desde 2002. Se todos esses carros voltassem ao mercado, somariam até R$ 3,506 bilhões -o valor efetivamente recuperado, no entanto, é sempre menor do que a inadimplência total porque os bancos procuram esgotar todas as possibilidades de negociação (leia abaixo).
A retomada também não costuma cobrir o valor da dívida financiada devido à depreciação e aos custos envolvidos na recuperação. Do dinheiro arrecadado em leilão, parte cobre a dívida em aberto no banco e o restante volta ao cliente para indenizar as prestações pagas, como define o Código de Defesa do Consumidor.
No Bradesco, o volume financeiro de carros recuperados triplicou no ano passado até dezembro -saltaram de R$ 76,1 milhões, no final de 2007, para encerrar o ano em R$ 207,5 milhões. Só a recuperação de carros teve um impacto de R$ 300,3 milhões na contabilidade do banco, sendo R$ 92,892 milhões em provisão para perdas. O Banco do Brasil teve recuperação de R$ 20,7 milhões no final de dezembro, ante R$ 584 mil no final de 2007.
O Santander/Real, cuja financeira Aymoré é uma das líderes no setor, não diferencia as receitas provenientes de recuperação de veículos e imóveis (que têm a menor inadimplência do mercado), mas reporta um volume retomado de R$ 277,7 milhões em dezembro -no ano anterior estava em R$ 192,8 milhões. Outro líder do mercado, o Banco Votorantim, não detalha em seu balanço o crescimento da recuperação, mas os executivos afirmam que se trata de uma das menores do mercado. Itaú e Unibanco ainda não divulgaram resultados.
Infraestrutura limitada
A retomada de carros pelos bancos está tão alta que esbarra inclusive na infraestrutura limitada de pátios, que se esgotaram em São Paulo e lotam áreas no interior do Estado.
Apesar da preocupação crescente com a inadimplência, o volume de carros retomados representa pouco mais de 1% dos 9 milhões de veículos alienados no país, segundo a Fenabrave (associação das concessionárias). Na conta dos bancos, de cada 4 financiamentos inadimplentes, apenas 1 termina com a retomada.
Para o presidente da Fenabrave, Sergio Reze, a recuperação de veículos cresceu junto com a inadimplência, mas encontra-se ainda em um patamar "absorvível" pelo mercado, criando oportunidades para lojas de usados, empresas de recuperação, leiloeiros e administradores de pátios.
"Os 100 mil [veículos recuperados] estão dentro dos padrões normais. É um pouco mais de 1% dos financiamentos. Se fosse uma coisa de outro mundo, viraria um negócio para a gente [concessionárias]. Se os leilões vendem, não há encalhe. O problema dos bancos acaba virando um negócio para terceiros", disse Reze.
Maior leiloeiro de veículos do país, Luiz Fernando Sodré Santoro afirma que vendeu 5.300 carros em janeiro em seu pátio em Guarulhos (Grande São Paulo), 20% mais do que em janeiro do ano passado. "Em fevereiro, o movimento continua firme. Quem compra um carro no leilão costuma pagar, no mínimo, 30% menos", disse.
"Temos um aumento de mais de 50% de veículos retomados desde o final do ano", disse Mário Cássio Maurício, da CNVR (Comercialização Nacional de Veículos Reintegrados), que faz a recuperação de carros.
O maior volume desses carros, no entanto, só deve chegar aos pátios a partir de março, refletindo a inadimplência de janeiro. Isso porque a reintegração da posse de um veículo alienado pode demorar até três meses, dependendo da disputa judicial. "Infelizmente, quando a inadimplência sobe, a atividade de cobrança aumenta, incluindo a recuperação. A inadimplência de 4,3% ainda é administrável. O que me preocupa é a curva [crescente]. Onde ela vai parar?", disse Luiz Montenegro, presidente da Anef (associação dos bancos das montadoras).
Setor espera novo recuo com volta de IPI
PAULO DE ARAUJO
Embora o mercado automotivo tenha mostrado maior fôlego neste princípio de ano, impulsionado pela redução do IPI, as montadoras já alertam para um novo baque nas vendas depois que a alíquota voltar ao seu patamar normal, a partir de 1º de abril.
A GM prevê uma queda de 15% nas vendas em maio e junho. A expectativa é que o setor continue aquecido em abril, já que os concessionários ainda terão estoques de carros a preços menores. No fim do ano, as vendas devem fechar em queda de 15% ante 2008, com cerca de 2,4 milhões de veículos comercializados, segundo a GM.
Em janeiro, o mercado caiu 7,63%, menos do que em dezembro (20,49%). Mas, na primeira quinzena de fevereiro, as vendas já subiram 7,43% na comparação com o ano anterior. "Isso significa que o IPI teve um impacto significativo para a indústria", disse o presidente da GM, Jaime Ardila.
Com a aproximação do fim do prazo de vigor do IPI reduzido, as montadoras alertam para mais um ciclo de baixa no mercado. "As empresas estão em seu papel de reivindicar, porque o mercado não está mesmo em uma boa condição. Quanto menos o governo atacar em termos de arrecadação, melhor", diz o consultor André Beer, ex-presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).
Para o diretor de Assuntos Corporativos da Ford, Rogelio Golfarb, embora o mercado tenha ensaiado um reaquecimento, uma nova retração pode estar por vir. "A crise atacou a confiança do consumidor, mas, com o IPI reduzido, ele contrapôs a cautela à oportunidade de comprar o carro mais barato. Mas a situação ainda é frágil. Não podemos dizer que estamos voltando aos patamares [de vendas] do ano passado."
Para ele, o IPI foi parte do "combustível" usado para turbinar o setor diante da crise, junto com as medidas para garantir crédito no setor e os descontos oferecidos pelas montadoras e pelas concessionárias para atrair consumidores.
"A crise não impôs apenas um novo patamar de volume de vendas, mas atingiu em cheio a lucratividade das empresas. Estamos diante de um novo nível de rentabilidade", diz Golfarb.
Instituição prefere negociar com cliente para não perder dinheiro com retomada
Para evitar a retomada, os bancos Votorantim, Bradesco, BB, Itaú e Unibanco afirmam que procuram esgotar todas as possibilidades de negociação com o cliente. Além do processo ser desgastante, os bancos dizem que saem perdendo com a retomada, que envolve custos de advogados, empresas terceirizadas de recuperação, leiloeiro e depreciação do veículo.
As conversas começam antes mesmo de o cliente ficar 90 dias em atraso, que iniciaria o processo de retomada do veículo alienado. Segundo esses bancos, a retomada só acontece se o cliente não tiver mais como pagar as prestações, como no caso de perder o emprego e ter dificuldade em se recolocar no mercado de trabalho.
Se o cliente mostrar que passa por uma dificuldade passageira, mesmo decorrente do desemprego, costuma ganhar prazo e ter perdão em pelo menos parte de multas e juros do atraso. Cada caso é analisado separadamente.
"As financeiras estão evitando ao máximo retomar o veículo porque não interessa. Ela vende crédito, não vende carro. Retomar está sendo empurrado o máximo possível para frente. [A ideia é ir] para uma renegociação de qualquer jeito. Interessa-nos buscar uma negociação seja com a dilatação de prazos, seja na transferência da dívida para um terceiro. Queremos buscar uma solução", disse Luiz Montenegro, presidente da Anef (associação dos bancos das montadoras).
"O banco prefere que atrase um pouco [a retomar] e dá uma ajuda. O interesse é que as coisas fluam bem, que ele retome os pagamentos", disse Sergio Reze, presidente da Fenabrave.
Segundo Montenegro, a preocupação agora é com o cliente que, voluntariamente, procura o banco para devolver o carro temendo não ter renda para pagá-lo. "O consumidor que já vê que não vai dar para pagar já liga para o banco, enquanto não tem nada vencido. O banco coloca a prestação lá pelo final do mês", disse.
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Atualizado em: 30/12/2024 16:54 |