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O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, nesta terça-feira (10), a audiência pública que discutiu a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos de transporte e as empresas que administram as plataformas digitais.
O debate foi convocado pelo ministro Edson Fachin, relator do Recurso Extraordinário (RE 1446336), apresentado pela Uber. A matéria foi reconhecida como de repercussão geral (Tema 1.291), o que significa que a tese fixada quando o caso for julgado deverá ser aplicada a todos os casos semelhantes em tramitação no Judiciário brasileiro.
Durante dois dias, mais de 50 expositores, incluindo especialistas, pesquisadores e representantes de entidades da sociedade civil, apresentaram informações técnicas e diferentes perspectivas sobre o tema.
As discussões abordaram a precarização do trabalho em plataformas digitais, com destaque para práticas de controle algorítmico, dependência dos motoristas em relação às plataformas e os impactos dessas tecnologias nas relações de trabalho.
Ao final da audiência, o ministro Fachin enfatizou a importância do pluralismo, da escuta atenta e da transparência no julgamento do Tema 1291. Disse ainda não haver dúvida de que a audiência pública amplia a participação da sociedade no STF, tornando a decisão da Corte mais legítima. “O conjunto de dados e evidências, bem como as perguntas e as respostas que foram apresentados, vão trazer muitos subsídios para a nossa decisão final”, afirmou.
Durante as considerações finais, o subprocurador-geral Paulo Vasconcelos Jacobina, representante da Procuradoria-Geral da República (PGR), alertou para a importância de a nova realidade do algoritmo não substituir a pessoalidade das relações.
O representante da Advocacia Geral da União (AGU), Lyvan Santos, destacou a oportunidade de aprender perspectivas distintas e pesquisas científicas que serão muito úteis para o STF decidir com justiça. E a ministra Kátia Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ressaltou a importância de compartilhar o conhecimento com a sociedade para melhor compreensão do tema.
Veja os destaques das exposições desta terça-feira (10):
Francisco Ferreira Jorge Neto, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
Disse considerar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é plenamente adequada para tratar do caso em questão, já que nele estão presentes elementos característicos da relação de trabalho. Tratou também da subordinação estrutural e algorítmica imposta pelas plataformas, que controlam integralmente a atividade dos motoristas, determinam quem pode dirigir e estabelecem as regras de trabalho, além de exercer fiscalização contínua, realizar bloqueios, definir início e término das jornadas.
Meilliane Pinheiro Vilar Lima, representante da parte recorrida, Viviane Pacheco Câmara:
Destacou que a trabalhadora realizou 1.188 viagens em sete meses e foi dispensada unilateralmente pela Uber, fato que motivou a ação judicial. Para ela, os acontecimentos narrados no processo decorrem de uma relação de trabalho e, por essa razão, considerou que a justiça trabalhista conta com competência para analisar casos semelhantes.
Caroline Perônio Arioli, da Uber do Brasil Tecnologia LTDA:
Tratou do impacto da empresa no país desde 2014 e defendeu o argumento de que os motoristas têm liberdade para escolher quando e onde trabalhar, o que não se alinha às obrigações de vínculo empregatício previstas na CLT. E acrescentou que a Uber propõe o aperfeiçoamento da regulação para priorizar a proteção previdenciária e social dos motoristas, sem comprometer a livre iniciativa ou a flexibilidade do modelo de negócio.
Victor Callil, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP):
Apresentou dados da pesquisa “Mobilidade Urbana e Logística de Entregas”, realizada em 2024, segundo os quais, desde 2022, o número de motoristas cresceu 35% (447 mil) e o de entregadores, 18% (70 mil). A maioria desses trabalhadores é composta por homens entre 20 e 50 anos, com os entregadores sendo mais jovens. A maior parte possui ensino médio completo, declara-se preta ou parda, e tem renda familiar de até cinco salários mínimos.
Adriana Marcolino, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese):
Destacou que trabalhadores de plataformas digitais enfrentam jornadas semanais mais longas e contribuem menos com previdência social, em comparação aos empregados do setor privado tradicional. Falou ainda da alta dependência dos motoristas em relação aos aplicativos e ressaltou que a precarização nesse setor é mais intensa do que no mercado geral, observando que os algoritmos induzem a longos períodos de conexão para assegurar renda mínima.
Gabriela Neves Delgado, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB):
Defendeu que a plataforma digital é prestadora direta da atividade de transporte e não uma intermediadora de serviços. Também destacou que essas empresas têm responsabilidade em cumprir deveres legais mínimos, como obrigações previdenciárias, tributárias e de transparência.
Ricardo Colturato Festi, da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET):
Afirmou que as plataformas digitais exploram lacunas na legislação, às vezes ultrapassando os limites legais, o que contribui para a precarização do trabalho. Ressaltou que essas empresas promovem a individualização extrema das atividades laborais, minando a solidariedade entre os trabalhadores, e que transferem os custos do trabalho para os motoristas, impondo jornadas exaustivas sem descanso. Observou também que o trabalho nessas plataformas não configura uma real autonomia, mas sim uma forma de reprodução da informalidade.
José Dari Krein, da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (REMIR):
Apresentou dados do IBGE para demonstrar que motoristas de aplicativos trabalham, em média, 28 horas a mais por mês do que motoristas de outras empresas ou autônomos. Disse ainda que regulamentar e estabelecer vínculo de trabalho não compromete o modelo de negócios das empresas e que a redução de direitos não impulsiona a economia
Roseli Aparecida Figaro, da Universidade de São Paulo (USP):
Destacou que, além de explorar os trabalhadores, as plataformas digitais coletam dados das cidades e dos usuários, usando-os como ativos para valorizar o mercado. E acrescentou que essas empresas recorrem à Constituição para reivindicar segurança jurídica e benefícios, mas não para assegurar direitos aos trabalhadores.
Murilo Van der Laan, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp):
Explicou que a jurisprudência europeia tem desempenhado um papel crucial na regulamentação mais abrangente desse tipo de trabalho, o que resultou na diretiva que orienta a melhoria das condições trabalhistas em plataformas digitais. Tratou também da falta de transparência algorítmica e enfatizou a necessidade de investigar como as plataformas controlam seus trabalhadores.
Ricardo Colares, da Universidade de Fortaleza (UNIFOR):
Apresentou conclusões de uma pesquisa realizada pela instituição nos últimos quatro anos sobre a proteção social dos trabalhadores de plataformas digitais no Brasil. Segundo o estudo, a relação de emprego pode ser reconhecida em todas as etapas das atividades do trabalhador. E destacou que o risco do negócio da Uber é transferido de forma injusta para o trabalhador, que arca com custos como combustível e manutenção, enquanto a empresa controla corridas, índices de satisfação e pode descredenciar motoristas a qualquer momento.
Cássio Luís Casagrande, da Universidade Federal Fluminense (UFF):
Defendeu que o Supremo deve avaliar se o reconhecimento do vínculo trabalhista nas plataformas digitais está em conformidade com os artigos 6º, 7º e 8º da Constituição, que garantem direitos sociais aos trabalhadores. Observou ainda que, na Europa, o vínculo empregatício dos motoristas de aplicativos foi reconhecido com base na legislação ordinária, e não em constituições.
Ana Carolina Paes Leme, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG):
Analisou a atuação das plataformas de transporte, destacando práticas como condutas antissindicais, manipulação da jurisprudência e desinformação sobre o vínculo de emprego. Segundo ela, essas estratégias criaram uma “zona cinzenta”, em que motoristas não conseguem definir sua própria situação profissional, permanecendo em dúvida se são parceiros, microparceiros, terceirizados ou empregados.
Murilo Carvalho Sampaio, da Universidade Federal da Bahia (UFBA):
Coodenador do projeto de pesquisa “Assalariados Digitais” da Universidade Federal da Bahia (UFBA), destacou as características do trabalho autônomo em plataforma digitais, como ser dono do negócio, não sofrer ingerências ou controles e obter os resultados econômicos. Destacou que o negócio não é dos motoristas, mas da empresa que cria o ecossistema digital, pois os clientes não pertencem aos motoristas.
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